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Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...

Machado de Assis

 

Este trabalho foi realizado em 2014 como parte da conclusão do curso de graduação em Artes Visuais - Bacharelado pela Universidade Federal do Paraná, realizado por Juliana de Sávio Silva sob orientação do professor Geraldo Leão.

"Espaço Íntimo” é uma produção fotográfica realizada para representar a relação entre sujeito e o espaço. Acreditando que é através desta relação que a sociedade se molda, uma vez que os indivíduos influenciados pelas interações com o mundo são, ao mesmo tempo, os construtores desse mundo. As fotografias colocam em um mesmo plano o indivíduo e o meio, representando este momento de troca de influências, que ocorre em uma área que permeia o interno e o externo, a qual entendo como um “espaço íntimo”. Motivada pelo desejo de compreender a formação do outro como uma forma de compreender suas ações, busco assim alcançar um caminho para respeitar aqueles que me cercam.

Portanto, este trabalho iniciou-se como uma busca para uma melhor compreensão sobre o que determina a forma como o indivíduo se relaciona com o mundo à sua volta. Supondo que esta relação seja fortemente influenciada pelo olhar que ele dirige ao mundo, isto se transforma então, em uma busca pelo olhar do outro. Tal olhar refere-se à “forma de ver o mundo” de cada um, também e principalmente ao modo como cada indivíduo racionaliza suas experiências e assim entende como esse mundo funciona, como deve se portar e se relacionar com outras pessoas. É este “olhar” que acredito definir sua personalidade e seu modo de agir.

Permear pelos estudos que abordam o processo de construção da identidade é o caminho que escolhi, para entender que todos moldam suas ações a partir destas experiências. Trazê-las como minha reflexão poética é a maneira que encontrei para aprender a respeitar aqueles que me cercam, através desse exercício contínuo de considerar a origem de suas ações.Transformar tal reflexão em imagem não foi tarefa fácil, para isso foi preciso entender um pouco mais sobre essa construção e a forma como o subjetivo interage com o mundo.

Não pretendo tecer conclusões teóricas sobre a subjetividade no decorrer deste trabalho. No entanto, entender tais conceitos é essencial para desenvolver a postura poética que procuro e pretendo expor neste trabalho.

O olhar subjetivo, bem como as relações estabelecidas entre o indivíduo e o espaço, pode ser encontrado de forma representativa na literatura, cinema e teatro, por serem linguagens que se aprofundam na construção do personagem. Também a fotografia de certa forma é ferramenta para transmitir esse olhar, uma vez que no ato de fotografar, todas as escolhas do fotógrafo sobre aquele recorte do mundo, podem atribuir à imagem suas questões subjetivas.

Analisar uma fotografia, como produto do recorte de tempo e espaço realizado por um indivíduo, pode dizer muito sobre seu propósito. Todas as ações do fotógrafo naquele momento têm especial significado, desde a escolha do enquadramento, sua posição diante do objeto, até as regulagens da câmera. Podendo através destes detalhes obter um registro de suas pretensões diante de determinada situação.

Mas seria possível que o fotógrafo, através do retrato, possa capturar o olhar do outro sobre o mundo?

Esse foi o desafio desta produção e para desenvolvê-lo foi preciso entender primeiro, aspectos básicos sobre a construção desse olhar. Este entendimento foi possível através de uma análise superficial das questões psicológicas e filosóficas da construção da identidade do indivíduo. Para isso optei por abordar o tema através da visão psicanalítica de Jacques Lacan que teoriza a constituição do “eu” diante do mundo, e de Maria Rita Kehl que discorre sobre o indivíduo integrado em uma sociedade. Também através da visão teórica cultural de Stuart Hall, que trata da construção da identidade a partir de interações sociais e situa os efeitos das mudanças globais sob os indivíduos, foi possível construir parte desse entendimento. Outros autores como o escritor Machado de Assis ilustraram a importância das relações entre indivíduo e meio, através da literatura fazendo uma abordagem ao tema da constituição do ser humano a partir de uma narrativa fictícia.

Em síntese, o que pretendo encontrar nessas fotografias é um quase registro das interações que moldam nossa identidade. Desta forma o foco de todo o trabalho não está nem no sujeito, nem no espaço, mas na interferência e troca contínua entre um e outro. Para tanto escolhi o espelho como ferramenta e metáfora, que viabiliza uma imagem capaz de colocar o sujeito e o espaço, no mesmo plano. Assim, procuro pensar no sujeito não como fruto de suas interações com o meio, mas também como formador desse meio.

É preciso lembrar que o indivíduo constrói sua identidade através daquilo que experimenta e não unicamente daquilo que vê, porém o olhar a que me refiro aqui é um termo para designar essa experimentação. Inegavelmente, buscar capturar as percepções em uma imagem, confere um caráter quase impossível ao trabalho, uma vez que este é um fenômeno profundo e íntimo. Por isso a escolha de sintetizar essa percepção em símbolos parece mais sensata do que buscar esclarecê-la.

O espelho ocupa em nosso imaginário o lugar onde encontramos a realidade refletida, que apesar de visualmente semelhante não passa de uma ilusão. Sabemos que a imagem refletida no espelho depende de uma série de fatores, como a composição de sua superfície, manchas, ranhuras e interferências encontradas nela. Sabemos ainda que, mesmo que diante de um único objeto, dois espelhos podem reproduzi-lo de maneiras completamente diferentes. Portanto considero o espelho um símbolo desse processo de absorver o mundo.

Outro ponto a ser discutido sobre o espelho é uma das possibilidades que este oferece à construção da identidade do indivíduo. Pois através dele podemos atribuir uma imagem ao nosso corpo e entendermos nossas semelhanças e diferenças com os outros corpos. É a partir do reconhecimento e fixação da nossa imagem que passamos a definir o que somos e quem é o outro.

Além disso, o espelho nas representações artísticas tem uma característica singular importante, quando se trata de trazer a um plano algo que está espacialmente localizado fora dele. Pintores o utilizaram para inserir em uma cena, por exemplo, eles mesmos, ou algo que aconteceria “atrás” do espectador. Dessa forma pretendo encarar o espelho também como um “plano recortado” dentro da imagem, resolvendo assim como retratar o observador e o objeto de observação ao mesmo tempo e ainda situando o observador nesse jogo, de certa forma colocando-o ao lado do retratado, mas diante de seu retrato e do espaço que este observa, ao mesmo tempo.

A forma como penso a realização dessas imagens traz consigo também a busca pelos espaços simbólicos e as atribuições poéticas e pessoais que emprestamos ao mundo físico. O que pretendo retratar nessas imagens não se encerra na representação de formas exteriores, mas sim de um universo particular, um universo íntimo.

A concepção de imagens que retratassem toda a proposta temática desse trabalho foi possível considerando o espelho como um recorte de planos. O jogo proposto então, coloca num mesmo plano o indivíduo e o mundo. Representando assim, um momento de troca. Os primeiros testes feitos em ateliê revelam como esse jogo pode ser facilmente confundido com uma montagem digital, o que me levou a buscar uma maneira de influenciar o espectador a descobrir o espelho que, enquanto objeto desfocado, quase desaparece deixando apenas o outro plano interferindo no fundo.

A proposta era apenas a de fotografar os modelos em cenários que estes escolhessem. No entanto, de forma espontânea esses modelos revelaram a simbologia deste local. Essa interferência validou minha pesquisa teórica, confirmando minhas hipóteses sobre a importância das interações do sujeito com o meio. A partir desses relatos procurei produzir imagens que levassem em conta as questões subjetivas além da composição formal.

Sendo assim, conheci casas transformadas em refúgio, cidades que representam o núcleo da vida, o crescimento simbolizado em um espaço de convívio comum, a religião como um acolhimento e força de mudança e o trabalho como motor do sucesso, entre outros significados íntimos atribuídos a espaços comuns. Desta maneira, procurei lidar com todas as simbologias que me foram disponibilizadas, de forma a fazer uma leitura destes modelos, não como julgamento, mas como processo de compreensão.

Na produção da imagem, eu como fotógrafa, depois de escolhido o lugar e o enquadramento através da conversa com o modelo, encontro a melhor disposição do espelho na foto e uma vez que estou entre o espelho e o retratado busco o rosto do modelo movendo o espelho. O espelho muitas vezes fica quase imperceptível no resultado final, por sofrer os efeitos da profundidade de foco da lente. Então a sensação que temos é realmente de que foi feito um recorte naquele espaço escolhido e lá, foi inserido um sujeito, que o observa com muitas referências íntimas. Enquanto eu observo ambos e procuro respeitar e registrar essa troca. 

 

 

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© 2014 Ju de Sávio Fotografia

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