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A construção do sujeito


 

Segundo Lacan, durante a infância, e mais especificamente no primeiro ano, a criança experimenta o mundo apenas com os sentidos básicos e se apoia neles para entender como se relacionar com seus desejos mais primitivos e saciar suas necessidades. O choro que lhe traz a comida, é a forma como aprende a comunicar suas demandas.

Entre os 6 e os 18 meses, Lacan define o que a criança passa como o Estádio do Espelho, em que a criança ao encontrar-se diante do espelho atribui a seu corpo uma identidade, entendendo quem ela é e quem são aqueles que a rodeiam. É de Lacan que empresto o conceito do espelho como objeto constitutivo do indivíduo, mas seus estudos não se limitam ao espelho em si e sim nesse reconhecimento da própria imagem que a criança sofre nesse período.

Lacan descreve que ao reconhecer-se no espelho logo em seguida a criança inicia uma série de gestos mímicos para experimentar, como um jogo, a relação entre seus movimentos e a imagem no espelho. E a partir desse reconhecimento a criança passa a identificar-se e assim também passa a identificar o outro. Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, (...) ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem. (Lacan; 1998).

A importância desse estágio na construção do indivíduo está na carga que ele carrega dentro do processo de identificação entre o “eu” e o “outro”. O espelho nos apresenta o “eu” e quando o entendemos assim passamos a entender os corpos que nos cercam como “outros”. Desta forma, essa identificação é a primeira organização que estabelecemos com o mundo.

Sandra Almeida em artigo sobre “A importância do outro na transmissão do conhecimento e na construção da consciência de si e do mundo” (1997), usa o estádio do espelho de Lacan para exemplificar como a psicanálise atribui ao outro uma função insubstituível no processo de consciência de si e do mundo e na constituição da subjetividade humana. (Almeida,1997)

Dessa forma, acredito que entender o que é interno e o que é externo nos permite mudar e moldar nossas ações de acordo com nossas necessidades e desejos. Então buscamos nosso lugar nessa organização e o construímos de acordo com o que conhecemos sobre o mundo. Já ouvimos diversas vezes o quanto nós como indivíduos somos produto do meio a que pertencemos, mas devemos considerar que isso se deve tanto pelo fato desse meio ter-nos sido apresentado como “nosso” quanto pelo fato de ansiarmos fazer parte deste meio desde que o entendemos. Portanto, essa construção da personalidade não ocorre apenas no âmbito individual e subjetivo mas também de forma social e gregária.

Sobre o indivíduo em mudança constante enquanto elemento de uma sociedade, Maria Rita Kehl no ensaio “As Máquinas Falantes” (2003), aborda fatores que nos falam do corpo como objeto social. Trazendo a noção importante de que o comportamento e as visões de mundo individuais são influenciados diretamente pela sociedade, ligados inclusive à classe e à cultura que antecede cada indivíduo. Segundo a autora, Nossos corpos não são independentes da rede discursiva em que estamos inseridos, como não são independentes da rede de trocas – trocas de olhares, de toques, de palavras e de substâncias – que estabelecemos (Kehl, 2003).

Segundo Maria Rita, tudo em nosso corpo funciona de acordo com a organização social em que estamos inseridos. Nossa noção de tempo, as necessidades do corpo como o sono e a fome estão ligadas ao nosso ritmo de trabalho. Por isso é normal que alguns, alienados desse sistema, respondam aos anseios do corpo a qualquer momento, uma vez que o tempo que organiza os corpos, ativos no regime de trabalho e produção, não corresponde ao tempo do seu corpo. Esses aspectos são bem exemplificados pela autora em seu artigo, através de situações de corpos socialmente excluídos. O mendigo que busca a hora, como ela diz, para sentir-se menos alheio àquele meio a que pertence (urbano), ou a história do menino que tem como seu único objetivo atender aos desejos sexuais e compensa, de certa forma, sua exclusão. Estes são exemplos de corpos construídos em meios externos ao meio social capitalista e que se impregnam de comportamentos que só cabem a esse meio. A psicanalista analisa esses fatores referindo-se desde a roupa até as maneiras de se atender as necessidades do corpo nos reafirmando que a construção do indivíduo é carregada pelo fator social.

Esse indivíduo situado em uma sociedade também foi tema de pesquisa para Stuart Hall (1992) que trata da Identidade Cultural, identificando seus diversos momentos na história e suas principais características. Hall traça uma linha evolutiva do conceito de sujeito separando-o em: “sujeito do iluminismo”, “sujeito sociológico” e “sujeito moderno”.

Resumidamente, o primeiro conceito se baseia na existência de uma essência inalterável do sujeito. O sujeito do iluminismo portanto era aquele que nascia e morria com sua personalidade intacta e tudo o que ele poderia vir a fazer na vida era consequência dessa essência, ou seja, um comportamento nunca é totalmente novo, mas já está em seu íntimo desde o início. O sujeito sociológico por sua vez, apresenta as complexas novas relações que surgem na modernidade, com sua convivência social e seu novo ritmo, como podemos bem lembrar que Baudelaire define com seu ensaio “O pintor da vida moderna” (1863), esse sujeito segundo Hall, não se considera mais inalterável, mas ainda mantém um ideal de essência, esta por sua vez alterada diante das interações sociais com outras culturas e identidades.

O terceiro sujeito de Hall, o sujeito moderno, ou da “alta modernidade”, lida agora com o descentramento desse ego, self,ou essência. Ou seja, se o sujeito sociológico se transformava continuamente devido à suas interações culturais, o sujeito pós moderno permanece indefinido devido à multiplicidade de culturas que ele absorve ao mesmo tempo.

Através de uma análise histórica e sociológica sobre as condições em que se define o conceito de sujeito na pós-modernidade, o autor deixa claro que o sujeito sociológico do inicio do século XIX sofreu um salto de progressões tecnológicas que o inseriu de forma repentina em uma nova forma de experimentação do espaço e do tempo. Este é o cenário da chamada Globalização e a consequência dela na formação do sujeito é esse descentramento do seu núcleo. Este impacto é visível tanto nas tentativas de uma busca por uma identidade coletiva, que defina o indivíduo como pertencente a um grupo ou nação, quanto na assimilação frenética de diversas culturas, como por exemplo práticas religiosas, gastronômicas e de vestimenta.

Neste trabalho, o que mais interessa sobre a pesquisa de Hall é a contextualização desses sujeitos retratados aqui. Como sujeitos inseridos nesse conceito pós-moderno de descentralização da identidade, o que intensifica ainda mais a minha pesquisa sobre as interações do retratado com o mundo que o cerca. Como podemos perceber nessa passagem:

A identidade, nesta concepção sociológica, faz ponte entre o “interior” e o “exterior” – entre os mundos público e privado. O fato de projetarmos “nós mesmos” nestas identidades culturais, ao mesmo tempo internalizando seus significados e valores, fazendo-os “parte de nós mesmos”, auxilia-nos a alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade desta forma costura (ou, para usar uma metáfora correta, sutura) o sujeito na estrutura. Ela estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos que eles habitam, tornando os dois reciprocramente mais unificados e previsíveis.

(Hall, Stuart; A Questão da identidade cultural; Textos Didáticos Nº 18, IFHC/UNICAMP; SP; 1998)

De modo geral, nessa pesquisa pude entender que o individuo se constrói a partir de fatores externos e internos, mas a principal concepção que busquei apoiar com esses autores é a de que a formação do indivíduo não se encerra em determinada fase, mas sim que a cada nova vivência e novo entendimento este indivíduo se modifica, podendo às vezes transformar toda a sua visão de mundo.

Além disso procuro basear a importância de se compreender que cada conceito é criado diretamente ligado àquilo que percebemos do mundo. Portanto esses conceitos ao formatar o comportamento caracterizam-se como a força que molda esse mundo também. Tal compreensão permitiu entender o comportamento de cada indivíduo mas também da sociedade como um todo.

Se considerarmos portanto que a formação subjetiva acontece simultaneamente “de fora pra dentro e de dentro pra fora” a representação dessa troca que mais me parece fiel é quando colocamos essas influências em um mesmo plano. O que pretendi atingir através da fotografia, do retrato e do espelho.

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© 2014 Ju de Sávio Fotografia

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