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O espelho como forma simbólica


 

Entendemos como espelho um objeto que reflete os objetos colocados em sua frente. Na história da arte o espelho é frequentemente utilizado para colocar num mesmo plano cenas que se localizam em espaços diferentes. Podemos fazer também diversas atribuições simbólicas que liguem o espelho ao tema deste projeto. Como por exemplo a de que o olhar reflete aquilo que se passa dentro do indivíduo e esse sentido, de ponte, interessa muito nessa construção visual que proponho aqui.

Utilizar o espelho para fazer esse recorte, colocando no mesmo plano o rosto e o mundo que este sujeito observa, tornou-se uma forma de representar esse processo de olhar o mundo, dando e recebendo influências nesse espaço. O rosto, como vimos com Lacan e que Maria Rita reforça, é a imagem que carrega nossa noção de identidade imaginária. É através da imagem do nosso rosto que nós normalmente nos reconhecemos. Portanto qual peso simbólico pode ter esse “recorte” que coloca subjetividade e interação social na mesma imagem? Espera-se que através dessa construção visual esse espelho possa simbolizar o espaço fisico, o íntimo e as percepções individuais, em contato simultâneo e constante. Outro ponto levantado por este recorte é o jogo que ele proporciona com o espectador situando-o entre o mundo e o sujeito fotografado, na mesma posição do fotografo.

Machado de Assis ao escrever o conto “O espelho”, levanta essa reflexão sobre o este objeto que nos permite entender nossa identidade a partir da nossa imagem, mas ao mesmo tempo traz uma proposta de que a nossa imagem interior pode ser diferente daquela que o mundo nos atribuiu.

O personagem do conto, Jacobina, narra aos amigos uma parte de sua história para defender que todo ser humano tem duas almas. Segundo a narração do personagem, após ser promovido a alferes da Guarda Nacional ele passa a ter seu cargo como principal característica de sua identidade, sendo chamado por todos como “alferes”, passa a assumir este status. Acaba envolvendo-se com sua imagem exterior a tal ponto de não reconhecer-se mais quando se vê só, passando a perder seu referencial externo, o que aos poucos o leva à depressão. Neste ponto, ao olhar-se no espelho grande de seu quarto não consegue definir a figura que aparece na superfície e só volta a se reconhecer quando veste seu uniforme. O que Machado de Assis discute com essa obra, que tem como subtítulo Esboço sobre uma nova teoria da alma humana é a ideia de que todos têm uma alma externa, que é aquela que aparece fisicamente diante do espelho, e principalmente aquela que os outros atribuem a um indivíduo. Esta alma por sua vez, está em frequente mudança, como afirma o próprio personagem durante a narrativa. Por outro lado há também uma alma interna, que está ligada ao subjetivo e sua formação. No conto, Jacobina coloca para seus amigos, além da atribuição de um objeto ou condição como a alma externa, a importância da relação saudável entre as duas almas do homem, afirmando que uma não pode existir sem a outra.

Marta Cavalcanti de Barros em seu artigo ““O espelho”: entre o si mesmo e um outro” , analisa o conto de Machado de Assis e traz diversas reflexões sobre o papel do espelho na psicanálise. Conclui, citando Alfredo Bosi:

O conto narra uma experiência única que evidencia o quanto se faz real (e necessária, pois vencedora) a fixação de uma imagem construída socialmente, representada pela farda. É essa imagem que absorve o homem, deixando para trás a face escura do desejo, que permanece sempre em forma de uma interrogação não respondida: “A outra face, a que se partira e esfumara diante do vidro (...) é o corpo opaco do medo, da vaidade, do ciúme, da inveja; numa palavra, o enigma do desejo que recusa mostrar-se nu ao olhar do outro” (Bosi, 1999, p. 102).

Barros, Marta Cavalcanti. Psyche (Sao Paulo) v.8 n.13 SP, jun.,2004

A fixação dessa imagem, estudada por Lacan (1966), que se dá através do espelho, é moldada pela interação social, mas também influencia, modificando o mundo ao seu redor. Nesse caso, a imagem fixada através do reconhecimento do outro sobre o indivíduo modificou sua forma de se relacionar com o mundo e com o outro.

Além disso, nesse conto, o espelho aparece como objeto que permite ao indivíduo encarar-se como produto desse mundo em que ele vive, é o espelho que permite ao personagem que ele enxergue sua alma externa e o quanto ela definiu e influenciou sua alma interna.

Essa obra literária de Machado de Assis, através de uma linguagem poética, trata de uma questão filosófica que também é tema da minha produção. A reflexão sobre subjetivo e externo, também aparece aqui como estudo que motiva uma produção poética, para que provoque a compreensão sobre este sistema íntimo que conduz as relações interpessoais.

Utilizando-se da mesma confluência entre arte e psicanálise Edu Monteiro, realiza um trabalho fotográfico com espelhos que é interessante a este projeto por também simbolizar essa reflexão de forma visualmente densa.

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© 2014 Ju de Sávio Fotografia

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